Mas afinal, como funcionam os bastidores do ranking que se tornou a menina dos olhos de chefs e restaurantes mundo afora e o que o diferencia de outras listas que classificam os negócios do setor?
O ranking The World’s 50 Best Restaurants nasceu com um conceito diferente de guias como o Michelin, que tem um olhar mais técnico, com inspetores contratados e treinados para fazer uma avaliação de cada quesito: qualidade dos produtos usados pelo estabelecimento, domínio do sabor e técnicas culinárias, a personalidade do chef na sua cozinha, relação entre qualidade e preço e consistência entre as visitas. No caso do 50 Best, a ideia é fazer uma seleção sob o ponto de vista do público, do consumidor, de quem frequenta os restaurantes.
Para isso, o ranking conta com um corpo de 1.080 jurados em 27 regiões do planeta. São pessoas gabaritadas, especialistas na arte de comer e beber, entre profissionais da gastronomia, como chefs e proprietários de restaurantes (34%), jornalistas e críticos (33%) e foodies - aqueles amantes da gastronomia que viajam o mundo para comer e beber bem (33%).
A ideia é mostrar, sob a ótica desse time com diferentes expertises, vivências e origens, o que está acontecendo de mais relevante à mesa do mundo. Isso traz duas características ao ranking que eu acho importantes. A primeira é a diversidade: entre os votantes, há o perfeito equilíbrio entre mulheres e homens (exatos 50% de cada), com a mesmíssima quantidade de jurados por região, todos anônimos. Além disso, 25% desse time de experts é renovado a cada edição, para evitar votos viciados - somos humanos, afinal.
Esse cuidado todo permite jogar uma lente de aumento em cada pedacinho do globo, do ponto de vista de pessoas que compreendem a gastronomia local, dando chance de visibilidade internacional a estabelecimentos e cozinheiros de lugares antes marginalizados ou ignorados pelo meio gastronômico global. É essencial abordar este assunto porque bem sabemos que, assim como na literatura e nas artes, sempre houve uma visão muito eurocêntrica da alta gastronomia como matéria. Décadas atrás, muito se sabia sobre chefs estrelados da França, da Espanha, da Itália. Mas e no resto do mundo, não se cozinhavam ideias e técnicas, não havia uma cultura gastronômica de relevância?
Claro que sim. E a missão do ranking é justamente garantir essa cobertura equilibrada entre regiões tão diversas como Áustria, Suíça, Hungria e Eslovênia, Oriente Médio, América do Sul, Estados Unidos e Canadá, Sudeste da África e Oceania, por exemplo. Até para evitar vieses limitantes ao tratar de uma experiência tão sensorial como é o comer.
Pensem comigo: se eu nasci na França e cresci com a referência daquela cozinha, inclusive em termos afetivos, tenho em mim todos os critérios e repertório para avaliar se um tacacá amazonense é bom, por mais profissional que eu seja? Farei um julgamento justo na hora de escolher entre minha cozinha de afeto e uma cozinha que me é totalmente estrangeira, à primeira ou à segunda vista? Difícil saber. Não se trata de ciência exata. Por isso a diversidade de olhares que compõem o ranking se faz tão necessária. O resultado fica claro na lista de 2022, onde a gente vê restaurantes de países como Peru, Brasil, México, Tailândia e Singapura dividindo espaço entre os 50 melhores do mundo com tradicionais representantes da alta mesa, como Espanha, França, Itália e Inglaterra.
A outra característica que marca o 50 Best, ao meu ver, é a fluidez. O ranking é traçado por tendências. É uma espécie de retrato instantâneo, uma Polaroid do cenário gastronômico daquele momento. É natural, por exemplo, que em tempos de grande preocupação global com questões socioambientais, casas e profissionais que prezam por trabalhar com produtos e produtores locais, fazem o resgate e a preservação de ingredientes nativos e nutrem o trabalho em suas comunidades ganhem destaque.
Isso não significa que grandes clássicos ou expoentes exemplares e de outros movimentos gastronômicos deixam de ocupar seus lugares de maestria, mas que o mundo - e a gastronomia com ele - está direcionando um olhar àqueles que buscam diretrizes regenerativas. Assim como a própria gastronomia, o resultado que o ranking aponta, ano após ano, é também um reflexo da sociedade. E mais: ao indicar o que julga haver de melhor na cena mundial do momento, a lista estimula o turismo e o trânsito gastronômico, o que acaba beneficiando os negócios do setor como um todo. Quando um restaurante como A Casa do Porco, localizado no “centrão” de São Paulo, conquista a posição de quarto melhor da América Latina e sétimo melhor do mundo, a vitória não é solitária: a gastronomia brasileira inteira ganha seu merecido lugar ao sol.